Quando meu filho ia nascer, imagino que como todo pai, pensei em criar para ele um mundo de segurança e aconchego. Que segurança temos maior, do que a certeza do apoio da nossa família? Tenho lembranças remotas de quando pequeno dos colos das tias em São João del Rei – aquela casa cheia de gente e cheia de amor. Já grandinho, papai me mostrou uma carta que a vovó Antonina tinha escrito quando do meu nascimento eminente. Pensando nisto enviei para minhas tias um pedaço de cambraia para que bordassem algo para juntar numa colcha. Todas minhas tias bordaram coisas lindas que remeteram à minha infância. Como não lembrar dos meus contatos de férias com a natureza olhando os insetinhos da tia Dilce? Garoto de cidade que era, exposto a uma lista restrita de insetos (e nem todo desejáveis), passava das moscas e mosquitos do Rio (com eventuais borboletas) a uma enciclopédia entomológica em São João: joaninha, louva-a-deus, libélula (com a proximidade do rio), bicho-de-pau, besouro, etc. Os vaga-lumes eram um espetáculo à parte. Nas histórias japonesas que mamãe me contava sempre tinha vaga-lume dentro de caixas de papel de arroz (fazendo lanternas), piscando, piscando. Na beira do rio, em certas épocas, tinha tanto. Eu saía caçando e colocando num vidro com tampa furada. Colocava um raminho dentro na esperança que pudessem se alimentar – dormia com o vidro do lado da cama. Infelizmente não duravam muito, mas as lembranças... Como não lembrar de São João olhando as árvores cheias de passarinhos de tia Yeyete (Tia Valderez)? Aquele quintal da casa do vovô em Matosinhos – cheio de mangueiras, laranjeiras, mamoeiros, morangos e sabe Deus o que mais, vivia cheio de passarinhos (alguns urubus também por causa do matadouro tão próximo). Lembro que foi lá que vi o primeiro pé de baunilha – agora tenho vários em casa - e sempre me lembram do vovô que me apresentou à planta (e me deu uma mudinha anos mais tarde). Lembro que disse que precisava crescer bastante para dar flor – espero ser paciente o bastante para ver a flor – os meus ainda não deram flor. Lembro dos boizinhos de mamão que fazíamos com palitos e mamão verde pequeno – e que deixava o vovô possesso porque ele adorava mamão (sabe que não me lembro como alcançávamos o mamãozinho lá em cima?). | Como não lembrar do footing lá na avenida olhando o banquinho da tia Myriam? Aquelas voltas intermináveis ao redor do canteiro – rapazes no sentido horário e moças no anti-horário (ou seria ao contrário – sei lá, na época eu não tinha nem relógio). Aqueles canteiros cheinhos de boca-de-leão que vez que outra depredávamos para povoar zoológicos em baixo das cadeiras (transformadas em jaulas) do segundo andar do sobrado em cima da cooperativa. Como não lembrar da tia Anete com o cupido dela? Lembro da tia, eu pequenininho, acho que ainda sem saber andar e ela me cuidando. Acho que devo ter ficado um tempo em São João quando pequeno sem meus pais – talvez logo após o nascimento, pois tenho estes lampejos de lembrança com ela enorme, de branco, de braço de fora, comigo no colo, me fazendo festa, me carregando para cá e para lá na casa também enorme. A casinha da tia Áurea me lembra o antigo chiqueiro que ficava no quintal, mais ou menos atrás da casa do vovô e que depois virou um quarto, uma espécie de suíte com banheiro – no final parecia uma casinha, um pouco grudada na casa grande, mas razoavelmente independente. Não consigo me lembrar quem ficava lá. Será que era só para visitas? Será que era para a Nhanhá? Era lá atrás que a vovó fazia os doces. Punham uns tijolos no chão, fazendo um quadrado, o tacho por cima e madeira por baixo para o fogo. Ficava aquele doce no fogo um tempão (ou assim me parecia). Lembro-me de umas colheres compridas, acho que mais uma espátula com cabo comprido e reta na ponta. Depois ia tudo para umas caixinhas de madeira. Sabe que não me lembro do gosto dos doces (eu que sou tão comilão)? Mas, fantasio que eram de banana, laranja e goiaba. Lembro daquele café aguado e melado que serviam para as crianças (tinha bule com café mais forte para os adultos, mas imagino, igualmente melado) e que tomávamos com pedaços dos doces, sentados naquela parte da cozinha perto do fogão à lenha. Tinha aquela mesa engraçada que ficava meio na copa e meio na cozinha, perto da parede junto com os bancos compridos, compridos. E o cachorro da tia Áurea? Tão peludinho. Não me lembro de cachorro na casa – talvez o vovô não gostasse de cachorros. Mas na rua, sempre tinha cachorro solto, vagueando, deitados ao sol branco do inverno tentando pegar um calorzinho. E o pintinho da tia Nair? Saindo da casca do ovo. Tenho umas fotos lá no quintal de Matosinhos aprendendo a andar que estou com uns calções tão bufantes e boné que pareço um ovo ambulante. Considerando que sou pelo menos meio amarelo – a metáfora fica perfeita (infelizmente as fotos são em preto e branco). Tia Hiroko, já é do outro lado da família. Já estava num estado avançado de reumatismo nas mãos quando recebeu o pedido. Disse que seria difícil poder bordar, mas queria fazer algo e optou por um apliquê. Também quando pequeno ia a São Paulo, mas era também cidade grande e as lembranças são bem outras... |
Este texto foi escrito por Kaizo, filho mais velho do Tio Domingos e da Tia Teruko, onde ele
conta a história sobre a colcha ele pensou e fez por ocasião do nascimento do seu filho PJ em 1985.
Muito legal Kaizo. Parabéns!

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